Capa do Livro Gratidão da série Preces em Versos; Guilherme Fraenkel; 2019; Rio de Janeiro

Capa do Livro Gratidão da série Preces em Versos

  • Guilherme Fraenkel
  • Gratidão (Série Preces em Versos)
  • 2ª. Edição
  • Rio de Janeiro
  • 2019

Juntos Transformando realidades pela educação

Iasmin e Malala Yousafzai

Ilustração de Liliana Ortrovsky

Malala Yousafzai

Mingora/Paquistão - 12/07/1997

O conteúdo de um livro guarda o poder da educação e é com este poder que conseguimos moldar o futuro e mudar vidas

Cada cultura carrega as marcas de suas construções históricas mas jamais é forte o suficiente para manter-se inalterada. Construída no interior dos lares, nos escritórios, nas plantas fabris, nas salas de aula e por onde mais pudermos imaginar seres humanos em atividade, é verdadeiro mutante fundado pela ação criativa dos que a concebem de maneira não intencional enquanto simplesmente vivem trazendo respostas aos desafios diários de seguir em frente.

É assim que podemos conceber a cultura do interior do Paquistão. Fundada nas cores de sua própria história política e religiosa, é expressão humana que estabelece lugar específico e desprestigiado para o gênero feminino.

Em uma sociedade patriarcal, quase cristalizada em sua forma de ver o mundo, as juventudes são intensamente provocadas a questionar e a transformar, por força mesmo do evidente conflito que se estabelece pelo contato com outras culturas; algo facilitado e cada vez mais frequente na modernidade.

Iasmin é ícone desta geração mutante que se forma em bases cada vez mais raras e que aprende a se transformar para responder às novas realidades. Personagem fictício, poderia ser qualquer uma na multidão.

Ela é marco de uma nova sociedade que reconhece a humanidade, a igualdade de direitos entre os gêneros, a importância da educação e o papel vital da figura feminina no estabelecimento de uma sociedade mais próspera e inovadora.

Herdou de sua família a força e o encanto de sua cultura e foi afrontada com novos valores, nascidos de mentes jovens que questionaram fortemente o sistema.

Seu Marido Kalil, nascido em 1990, viveu a comoção gerada pelas forças do Talibã em resposta à resistência imposta pelo Paquistão. Sensibilizou-se profundamente quando sua amiga de infância, Malala, foi atingida por três tiros em 2012 como resposta ao ativismo que pregava uma nova visão para a educação de crianças e jovens no país.

Acolhida em 2013 pela família do marido que acreditava na necessidade de revisão dos valores culturais e sociais, Iasmin foi conduzida a uma vida muito diferente daquela para a qual havia sido educada.

Incluída em uma rica família de comerciantes, teve a oportunidade de construir-se pessoa com vontade própria e força para determinar o seu próprio destino. Atingiu a idade adulta casada, sem filhos, alfabetizada e voraz leitora crítica do mundo. Teve sua primeira filha em 2017, quando jurou que semearia uma realidade diferente para sua família.

Uma flor no jardim

Cresci mulher objeto inconsciente de minha humanidade. Privada de mimos, de bonecas e da liberdade gozada pelos meninos.

Não tive a oportunidade de experimentar a vida em explorações de infância.

Cresci em lar austero sempre sobre a tutela de minha mãe e de minhas tias que zelavam pela integridade da família mantendo homens estranhos à distância em todos os momentos da vida.

A figura de meus tios, de meus irmãos mais novos e de meu pai confundia-se com a de guardiães de um tesouro sagrado que jamais poderia ser repartido ou compartilhado.

Eu mesma me pensava como uma rica e bela propriedade que tinha o poder de decretar a prosperidade de um pequeno lar agrário de interior...

Recordo-me com gosto das poucas oportunidades que tive de brincar com os pés na lama quando ia com minha mãe levar alimentos para meu pai e meus irmãos no campo. Raros momentos em que podia correr livre por entre os adultos desde que não me afastasse do grupo familiar e estivesse apenas na companhia de meus irmãos. No começo os pés livres sobre os tufos de terra fértil recém revirada se ressentiam à fria e úmida impressão.

Mas após algumas corridas eles estavam perfeitamente conectados ao ambiente e eu me sentia como semente plantada, alheia ao mundo e totalmente integrada à possibilidade de crescer e frutificar com os estímulos certos.

Cresci em minha pequena redoma e me recordo bem do dia em que fui passada para as mãos de meu marido.

Embora ainda me sentisse infante, no alge de minha década e pouco de existência, eu havia acabado de descobrir-me mulher pelo impacto vermelho que se declarou por entre minhas pernas decretando-me adulta fértil.

A bela semente havia crescido e agora seria época de dar frutos e fazer o legado de tradições familiares seguir em frente.

Meu marido.

Minha referência.

Meu novo prumo...

Era um homem experiente da cidade grande. A prosperidade batera à sua porta desde cedo. Suas unhas bem cuidadas e cortes finos de roupa feitas sob medida indicavam que eu deveria esperar uma vida bastante diferente daquela que havia aprendido a viver com meu pai e irmãos.

Muitas mudanças ocorreram em pouco tempo...

Abandonei as brincadeiras, mudei para uma casa empoleirada no topo de outras 100 casas e não tinha mais que fazer os trabalhos domésticos para os quais fui zelosamente preparada durante os primeiros anos de vida.

Rosa magnânima e única em um enorme jardim, vi a vida se articular de maneiras que jamais poderia imaginar. Fui apresentada às letras e aprendi a ler o mundo através das mãos hábeis de homens e mulheres que contaram suas histórias através dos tempos e para além dos escritos sagrados;

Únicas referências para meus pais e irmãos...

A princípio foi muito difícil assumir as rédeas de meus horizontes, o comando de meu próprio jardim.

Eu passava o tempo todo procurando os olhares atentos de minhas tias, os toques infantis de meus irmãos ou os limites verbais de meu pai sinalizando para que não me afastasse muito enquanto sentia a terra fria sob meus pés e tornozelos.

Mas dizem que o ser humano se adapta a qualquer coisa...

Os infinitos passaram a ser minhas fronteiras. Horizontes largos se impuseram no universo da academia e as ciências teceram-me uma vida de maternidade tardia.

Algo inimaginável para uma menina tesouro do interior...

Hoje me esforço para deixar por legado um universo de igualdades para minhas duas filhas.

Aprendi a força que as mulheres tesouro bem educadas possuem na escrita de uma sociedade mais próspera e humana.

Malala compartilhou horas de estudo com aquele que anos depois seria meu prumo!

Ela militou correndo risco de vida, influenciou mentes e libertou corações...

Minha heroína ensinou preciosas lições alfabetizando a muitos quanto à igualdade dos sexos e à importância de instruir e educar a todos sem restrições.

Por isso vim até aqui hoje. Para falar da importância da educação como ferramenta de fomento a uma sociedade melhor.

É o caminho de excelência para a superação de todos os problemas e para a construção da paz;

Hoje sei.

Continue a leitura

Participe desta iniciativa

Você gostou do conteúdo deste livro e quer apoiar o projeto?

Veja como: